Elegibilidade para teleconsulta psiquiátrica e cooperação entre médicos – O papel da teleinterconsulta

Medicina é cooperação. Entre paciente e médico, entre médicos e outros profissionais e, last but not least, entre colegas. As novas tecnologias oferecem uma centena de possibilidades de cooperação mas muitas vezes não se vai além de uma meia dúzia de mensagens trocadas pelo whatsapp.

Embora a Psiquiatria seja uma das especialidades médicas mais compatíveis com o atendimento à distância, nem todas as situações são elegíveis para uma teleconsulta. As inegibilidades certamente variam, dependendo do profissional e do serviço, mas há um certo consenso de que transtornos severos como Esquizofrenia podem requerer todo um outro arranjo nem sempre possível. Há uma tendência de se ver a teleconsulta como algo a ser feito apenas e exclusivamente entre um paciente e seu médico, esquecendo-se a valiosa e muitas vezes decisiva participação de um terceiro elemento, seja um amigo/a, cônjuge, familiar ou até mesmo um…outro médico, por que não?

Há também uma ideia de que toda e qualquer consulta presencial será sempre superior à uma teleconsulta. Os que defendem essa ideia enfatizam que, numa primeira consulta, seria imprescindível a presença do paciente. Fica claro que, estabelecida como norma, essa ideia atinge o âmago da telemedicina e limita em muito sua prática. Mas uma 1a consulta realizada à distância pode cumprir com todos os requisitos necessários e ser plenamente satisfatória para ambos os lados. Algumas condições poderiam favorecer a teleconsulta e torná-la verdadeiramente segura e responsável. Isso estaria, ao meu ver, relacionado ao quanto de informação prévia que o médico tivesse ao seu dispor, antes de fazer o atendimento à distância. Há uma série de “barreiras” que podem ser interpostas entre o paciente de 1a vez, desconhecido ainda pelo médico, e o profissional que irá atende-lo. Barreiras que poderiam funcionar como amortecedores ou filtros, ajudando o médico a coletar mais e melhores dados sobre o quadro apresentado, com vistas à decisão de atender ou não um determinado paciente. Venho adotando (e modificando continuamente) um formulário de auto-apresentação para realização de uma 1a teleconsulta. Ao solicitar atendimento por teleconsulta o paciente é convidado à responder uma série de perguntas objetivas sobre seu quadro, histórico de tratamentos antriores, experiência com medicamentos, hábitos de vida, histórico familiar etc, formulário esse completado por um Termo de Concordância para uso de recursos digitais. Uma das informações cruciais deste formulário é quanto à existência prévia de acompanhamento de algum médico ou psicólogo. Alguns autores salientam a importância de que o médico que vai fazer um atendimento por teleconsulta tenha contato com uma equipe local de onde o paciente está falando. Essa equipe (ou profissional) teria o papel, entre outras coisas, de representar uma retaguarda para situações emergenciais ou de necessário suporte. A ausencia de um profissional assim pode representar, consequentemente, que esse novo e desconhecido paciente possa não ser um paciente adequado para o atendimento à distância. Muito rigor? Exagero? Experimente pensar num paciente que apresente um quadro depressivo e evolua para um acentuado risco de suicídio ao longo de algumas semanas. Imagine a dificuldade da situação. Pacientes que, numa avaliação prévia de sua auto-apresentação, forneçam indícios de não contarem com mínima rede de apoio onde vivem, que não consigam informar sobre pessoas ou profissionais de referência, eu tendo a considera-los, à princípio, pacientes de risco para uma teleconsulta, inelegíveis para tal forma de atendimento.

Quanto à teleconsulta propriamente dita, há formas e formas de faze-la. Em tais situações onde pareça existir um risco considerável de se estar lidando com um paciente que pode evoluir para agravamento de seu quadro, uma alternativa bastante interessante seria se optar por uma teleinter-consulta. Obviamente que essa opção estaria na dependência de o paciente referir um médico de sua confiança na localidade com o qual pudéssemos fazer contato. A utilização mais inteligente e prática da tecnologia seria combinar com o paciente um horário e convidar o colega médico para participar da chamada (teleinterconsulta). Há uma série de vantagens neste modelo. O principal talvez seja a segurança e tranquilidade, o aspecto de se atender com a devida responsabilidade, inclusive compartilhando conhecimento e experiência. Médicos novatos, sem especialização ou médicos já experientes porém sem conhecimentos específicos na especialidade psiquiátrica, todos teriam muito a ganhar com teleinterconsultas. Chama a atenção o relativo lugar secundário ainda ocupado por este modelo. Quando falamos de Telemedicina tendemos a enfatizar situações não colaborativas, com o paciente sentado no sofá de casa e o médico na outra ponta. Quase nunca lembramos de acrescentar um segundo médico discutindo o caso, agregando informações e recebendo orientações. Talvez a medicina esteja precisando se tornar mais colaborativa e, deste modo, aproveitar melhor os recursos tecnológicos que aproximam as pessoas e que tornam as tarefas mais fáceis e melhor de serem executadas.

A elegibilidade ou não para uma teleconsulta psiquiátrica, para além de questões relacionadas à certos diagnósticos, parece estar relacionada também ao tipo de atendimento remoto a ser oferecido e como ele será preparado. A colaboração converge com todos os recursos digitais já disponíveis. Se a opção escolhida for colaborar, há uma infinidade de possibilidades de se atender a um paciente com toda ética e responsabilidade.